Quando era ainda um miudinho, cheio de sonhos e fantasias, todos os dias almoçava no refeitório da minha escola. Por vezes, para meu desgosto, eram servidas lulas (detestava lulas). E havia lá uma desgraçada de uma contínua que me obrigava a comer os ditos moluscos. E dizia ela:
- Já viste? Tantos meninos a morrer de fome em África e tu aqui a desperdiçar comer!
Como é óbvio (eu era novo mas não era burro), achava aquilo tudo uma treta, mandava-a levar na peida (mentalmente) e assim que ela virasse a cara, extraviava umas lulazitas para o chão ou para o prato de outro colega.
Agora que tenho mais uma porrada de anos em cima mas a mesma idade mental, dou por mim a pensar neste assunto e chego a algumas conclusões. E são as seguintes:
A riqueza é sempre alcançada à custa da pobreza dos outros. Para eu ser rico, outras pessoas terão que ser pobres. A riqueza não é senão uma distribuição desequilibrada dos recursos existentes. E isto meus amigos é uma verdade La Palice.
Imaginemos o seguinte: Num mundo como o nosso, só existem 10 pessoas! Mas essas pessoas vivem todas distanciadas umas das outras! Todas elas são independentes umas das outras e nunca tiveram qualquer tipo de contacto ou interacção entre elas. Quem seria destas 10 pessoas a mais rica? Seria sem duvida aquela que trabalhasse mais. Neste caso que eu inventei é o Manel. O Manel seria o mais rico por mérito próprio. Mas não seria uma riqueza muito exorbitante. Seria pouca a diferença entre ele e as outras 9 pessoas.
Imaginem agora que estas 10 pessoas vivem todas na mesma aldeia. No fundo uma mini-comunidade onde já houvesse interacção! Qual seria a diferença? A diferença, é que aquele que Manel poderia ser bastante mais rico do que aquele que vive isolado. Como? Obtendo a sua riqueza à custa do trabalho dos outros. Hipoteticamente, o Manel acabaria por ser nomeado chefe e fosse por que razão fosse, (por ser o mais forte, o mais bonito, o mais inteligente ou o mais filho da puta) poderia ter os outros a trabalhar para ele! E teria certamente mais riqueza do que o Manel do primeiro exemplo. Poderia ter uma mansão construída por todos os outros habitantes. Mansão essa que nunca teria conseguido se vivesse isolado! É isto a riqueza!
E agora potenciem este exemplo absurdo que vos dei e pensem no mundo em que vivemos! O que é que o Bill Gates, o Bush, o Cristiano Ronaldo ou o príncipe do reino do Caralho que o Fodam, trabalharam para ter os milhões que têm? Só são ricos porque os ursos que os rodeiam (nós) contribuímos para isso. Se estivessem isolados no mundo, como o Manel do meu primeiro exemplo, a única riqueza que conseguiriam seria umas maças e uns pãezinhos para não morrerem de fome.
Não tenho nada contra o facto de tirarmos proveito do trabalho e genialidade dos outros. Chama-se a isso cooperação e viver em comunidade. E sem isso não teríamos evoluído.
Mas o que me aborrece solenemente é a tamanha desigualdade que existe no mundo. É que existam meia dúzia de macacos com metade da riqueza mundial, e que os restantes passem privações como fome e alguns até morram por isso! Que existam pessoas que têm 50 mansões, 30 iates e não sei quantos milhões de euros a ganhar pó no banco. Enquanto milhões de pessoas não têm sequer 1 euro ou 1 pão para se alimentar.
Se um dia forem ricos, se tiverem mais do que aquilo que poderiam aspirar vir a ter se vivessem sozinhos no mundo, desenganem-se. Não me venham dizer que o são por mérito próprio. São ricos porque este mundo permite desigualdades e para que vocês sejam ricos alguém noutro lugar qualquer do mundo é pobre e está a passar privações. E esta relação por mais surrealista e indirecta que possa parecer, é uma realidade.
Muita coisa muda! Afinal, a contínua da minha escola tinha razão, e eu até já gosto de lulas. Não é certamente um miúdo que não come lulas que vai acabar com a fome em África. Mas anda por aí muito miúdo graúdo que poderia enviar para lá umas quantas lulas!!!
É claro que isto é só a minha opinião!